24 fevereiro 2019

A Casa Inteligente Precisa dar Meia Volta


A Internet das Coisas é provavelmente o assunto tecnológico mais falado dos últimos anos. E ela rapidamente se segmentou por área de aplicação, onde passamos a olhar a Internet das Coisas dividindo-a em “verticais”. As mais conhecidas são: indústria, cidades, saúde, agronegócio, comércio e a chamada Consumer IoT, onde encontramos os esforços para chegarmos a uma Casa Inteligente.

Com exceção da vertical do Consumer IoT, em todas as demais vemos iniciativas sendo tomadas, empresas investindo em desenvolver produtos e soluções, clientes entendendo os benefícios e implementando ferramentas que se beneficiam da Internet das Coisas.

Em todas as demais verticais a motivação para estes esforços é clara: buscar benefícios comerciais para os negócios. O desenvolvedor ou fabricante sabe que tem um cliente exigente, que espera retorno em qualquer investimento que faça.

A sequência natural de desenvolvimento de soluções começa por levantar um problema ou dificuldade que o cliente possa ter com seu negócio e transformá-la em oportunidade.

O movimento inicial pode ser do próprio cliente, que procura ajuda para resolver um problema, ou do desenvolvedor, que busca entender um determinado segmento, localiza um potencial problema, vislumbra um uso da tecnologia para resolvê-lo ou minimizá-lo e oferece sua ideia ao cliente.

A partir deste momento, uma primeira parceria é criada e o problema é mapeado e detalhado e possíveis formas de solucionar o problema são discutidas e analisadas. Em geral, é definido um projeto piloto com as participações diretas do desenvolvedor e do cliente, até que se chegue ao modelo funcional que permita solucionar o problema.

A seguir, a solução é analisada para verificar possíveis reduções de custo e simplificações em sua implementação bem como sua expansibilidade para os demais potenciais clientes. Em alguns casos, a solução desenvolvida é exclusiva de um determinado cliente, mas que possui várias instâncias para seu uso; em outros a solução pode ser facilmente transportada para outros clientes em situação similar. Em ambos os casos, a solução é “empacotada” para que possa ser utilizada mais de uma vez, sem necessidade de grandes investimentos em customizações.

Em resumo, iniciamos com um problema e chegamos a uma solução com a aplicação das tecnologias.


Infelizmente, quando chegamos ao universo da Casa Inteligente não encontramos o mesmo quadro. Os desenvolvedores de produtos para a Casa Inteligente seguem o caminho inverso: escolhem a tecnologia, inventam uma solução e depois procuram um problema que esta solução possa resolver.

Os motivos que levaram os desenvolvedores a este caminho reverso são múltiplos. Entre eles podemos citar o interesse de pequenas empresas em ganhar visibilidade e apresentar uma POC (“Prova de Conceito”) disfarçada de produto para que as grandes se interessem e comprem as empresas menores em busca de incorporar as tecnologias sendo desenvolvidas.

Outras apenas querem aproveitar a onda e colocar produtos que chamem a atenção pela novidade, mesmo que se mostrem inúteis e que não resolvam problemas existentes. O objetivo aqui é aproveitar a curiosidade do comprador vender bem por pouco tempo e depois “sumir” do mercado até terem outro produto com as mesmas características.

E tem aquelas que são rápidas em copiar outras empresas e saturar o mercado com gadgets de má qualidade e baixo preço, sem qualquer suporte ou responsabilidade para com o comprador.

Temos também grandes empresas, que acrescentam um pouco de tecnologia aos seus produtos sem um benefício claro para seu clientes, apenas com o objetivo de se posicionarem no mercado como fornecedores de dispositivos “inteligentes”.

E todas essas iniciativas, se no começo foram importantes para que o conceito de Casa Inteligente passasse a ser divulgado, hoje fazem um desserviço ao cliente e ao conceito.

Ao comprarmos produtos que não nos ofereçam reais benefícios acabamos os considerando como supérfluos e que, ao menor sinal de dificuldade, podem ser simplesmente descartados.

O uso errado de produtos para a Casa Inteligente, ou mesmo a sua subutilização, simplesmente impedem que qualquer inteligência artificial ganhe o mínimo de tempo e informações para que possa desenvolver sua inteligência e começar a apresentar valor.

Assim, colocar um assistente de voz apenas para tocar música não é seguir a trilha para a Casa Inteligente. Para o mercado até entrou nas estatísticas, mas seu uso como tocador de música não acrescenta nada ao universo da Casa Inteligente.

Em algum momento precisaremos inverter a trilha que estamos seguindo em busca da Casa Inteligente; precisaremos dar uma meia volta de princípios.

Precisamos que os fabricantes se preocupem mais em entender problemas reais e desenvolver soluções que busquem resolver estes problemas de forma plenamente satisfatória. E o segredo está em pensar no problema primeiro, buscar informações junto aos usuários, buscar com estes mesmos usuários possíveis soluções, mesmo que possam parecer meio inviáveis e só então aplicar as tecnologias da Casa Inteligente e da Internet das Coisas para oferecer uma solução.

E esta solução deve ser séria e profissional como aquelas desenvolvidas para as demais verticais do mundo IoT; ninguém brinca com soluções quando falamos de IoT para a indústria, a saúde ou o agronegócio.

Se este “novo” caminho for trilhado de forma correta, os custos serão minimamente majorados, mas as soluções serão muito mais permanentes, trazendo benefícios financeiros a longo prazo para todos os envolvidos.

E com este “universo” caseiro mais estável e duradouro, os esforços relacionados com a Inteligência Artificial encontrarão um campo fértil para obter os dados, terão o tempo adequado para o aprendizado e conquistarão seus usuários de forma mais permanente.

Até chegarmos ao ponto de nossa Casa Inteligente ser tão bem concebida que será uma parte integrante de nossas vidas, de forma transparente, útil e satisfatória.

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