Imagine uma empresa fundada em 2011 dedicada ao mercado de
produtos inteligentes para sua casa. Ela cria seu primeiro produto, investe em
tecnologia e em marketing, participa de feiras, desenvolve outros produtos e
2015 já tem 100 funcionários. Em 2017 consegue dois grandes players do mercado
como sócios para, em 2018, ser completamente adquirida por um destes grandes
players.
Esta empresa é europeia e cresceu visando este mercado. Como
consequência, hoje ela tem três grupos de produtos: Segurança, Energia e Clima (incluindo
Qualidade do Ar).
A linha de produtos em Segurança inclui câmeras internas e
externas, sensores de fumaça, sensores de portas e janelas e uma sirene. Até aí
nada demais. Mas ao examinarmos os produtos mais de perto vemos alguns cuidados
com inovação e qualidade que merecem destaque. A câmera interna, por exemplo,
tem reconhecimento facial. Com isso, ela pode reconhecer as pessoas que foram
previamente cadastradas e considerar como intruso qualquer outra pessoa não
reconhecida. Ela também pode ser acionada pelo som de um alarme, iniciando uma
gravação e mandando um aviso ao usuário através de seu aplicativo. E pode ser
diretamente comandada pelo Google Assistant, Siri ou até mesmo por mensagens do
Facebook Messenger. E é uma peça com design elegante.
Se formos analisar a fundo, muito provavelmente não há
nenhuma grande inovação tecnológica. Sua inovação está em juntar o que já
existe, entender o que o mercado procura e dar uma “inteligência artificial”
direcionada e útil.
A sirene pode ser integrada à câmera; tanto a câmera pode
disparar a sirene com a detecção de intrusos quanto a sirene, disparada por
outro equipamento, pode disparar a câmera. O que tem de inovação? Talvez possamos
considerar o fato da sirene poder ser programada para emitir sons que simulem a
presença de alguém na residência como inovação.
Esta solução de Segurança encontraria no Brasil um público
interessado nestes produtos, pois atende bem aos interesses dos moradores
locais.
E na Energia? O foco aqui é um termostato que controla os
circuitos de aquecimento, uma solução bastante comum em países frios como na
Europa. Nenhuma grande novidade: um termostato que comanda relés sem fio para
ligar ou desligar os aquecedores ou as válvulas de um sistema de aquecimento
central (ou mesmo um aquecedor específico em um ambiente). A novidade é
oferecerem válvulas para comando de radiadores de aquecimento, permitindo que
as temperaturas sejam comandadas ambiente por ambiente: um controle geral para
o aquecedor principal e controles locais regulando a vazão de água quente por
um determinado radiador, permitindo om controle local de temperatura. E tudo
isso de forma simples, com um produto pequeno e elegante.
Esta solução, diretamente como apresentada, não tem muito
futuro no Brasil, já que não somos um país de baixas temperaturas. Mas será que
esta ideia poderia ser adaptada para aparelhos de ar condicionado?
No grupo de Clima temos um conjunto de produtos que ainda
não vi serem oferecidos no Brasil de forma consistente. Temos uma “estação
meteorológica” para uso interno, capaz de medir temperatura, umidade, qualidade
do ar e nível de ruído. Podemos ter também uma estação para uso externo que
mede também a pressão atmosférica. E temos dois acessórios: medidores de chuva
(com informação de quantidade) e anemômetros (medidores de direção e velocidade
do vento).
A estação interna avisa, ainda, quando a casa precisa ser
ventilada pela detecção do alto nível de CO2.
A ideia por traz disso é que o usuário possa monitorar as
variações climáticas ao longo do tempo. Não faz muito mais do que coletar e
oferecer informações, mas sabemos que há povos neste planeta que adoram ter
informações, mesmo sem saber o que fazer com elas.
Neste grupo não há nenhum sinal forte de inovação, mas são
produtos que se integram visualmente (e só visualmente) aos demais já
mencionados.
Então, temos uma empresa europeia relativamente nova, com
uma linha de produtos inteligentes, um bom marketing e um bom design, com
alguns pontos inovadores, focando muito no uso de tecnologias existentes. Esta
empresa não precisou desenvolver tecnologias; ela soube utilizar as existentes
de uma forma inovadora.
Hoje esta empresa tem aproximadamente um milhão e trezentos
mil produtos vendidos em todo o mundo (principalmente Europa), faturamento
anual de 45 milhões de euros e mais de duzentos empregados.
Estou falando da NETATMO,
que foi recentemente comprada pela LEGRAND.
Tenho certeza que o que a LEGRAND procura não são
especificamente os produtos, mas sim a inteligência humana por trás destes
produtos.
Será que algo parecido poderia ocorrer com uma empresa
brasileira?
Eu vislumbro um caminho de sucesso. Inicialmente precisamos
esquecer a regionalidade e focar no mercado mundial. Afinal, o que impediria de
termos no Brasil uma empresa como a NETATMO desenvolvendo produtos para a Casa Inteligente?
Esta empresa deve começar com um perfil internacional (para não
dizer globalizado). E o que significa isso? Em termos gerais, significa que ela
deve olhar para as tecnologias, os mercados e os fornecedores dentro e fora do
Brasil. Ela deve acompanhar e contribuir com as tecnologias desenvolvidas em
qualquer parte do planeta; ela deve considerar que seus produtos serão vendidos
em todas as partes do mundo; e ela deve considerar que sua fabricação pode se
dar em algum país asiático.
Este processo não é para amadores nem para pouco
investimento. Deve ser bem planejado, bem fundeado e muito bem gerenciado.
Há, é verdade, dificuldades adicionais inerentes à realidade
brasileira. Estamos falando de burocracias, custos indiretos e dificuldades com
idiomas e processos internacionais de transações financeiras. Mas, para
compensar, esta empresa contará com um mercado potencial nas quais pouquíssimas
outras empresas estão apostando adequadamente. Ela terá a vantagem de já conhecer
o usuário brasileiro, de falar seu idioma e de estar presente num país que não
fala inglês e não gosta de importar produtos individualmente. E não podemos nos
esquecer que, de uma forma ou outra, a Internet
das Coisas é uma prioridade tecnológica com apoio governamental.
Assim, não vejo porque uma empresa brasileira não poderia se
destacar. Os passos são “simples”:
- Conceber uma linha de produtos que faça uso criativo e útil das tecnologias
- Pensar no mercado local e internacional
- Conhecer necessidades de outros mercados e dominar os principais idiomas
- Profissionalizar o design e a fabricação
- Desenvolver fornecedores locais e em países conhecidos pelo baixo custo
- Desenvolver uma campanha de marketing visando o mercado mundial e a busca de investidores
- Criar uma infraestrutura de suporte em vários idiomas
- Criar uma estrutura de vendas online e desenvolver distribuidores
- Criar parcerias com os gigantes do mercado
A empresa que queira focar apenas no mercado nacional terá
que abrir mão de algumas coisas, como o design profissional, a fabricação a
baixo custo e a busca contínua de investidores. O investimento será menor, mas
a abrangência e a qualidade do produto não conseguirá competir com outras
empresas que tenham esta visão mais globalizada.
Definitivamente não é um mercado para amadores ou para aqueles
com poucas ambições. O sucesso depende de conseguir um nível de presença que
chame a atenção dos grandes players, como a NETATMO chamou a atenção da
LEGRAND.
Nenhum comentário:
Postar um comentário