25 novembro 2018

NETATMO e LEGRAND - Podemos Seguir Este Exemplo?



Imagine uma empresa fundada em 2011 dedicada ao mercado de produtos inteligentes para sua casa. Ela cria seu primeiro produto, investe em tecnologia e em marketing, participa de feiras, desenvolve outros produtos e 2015 já tem 100 funcionários. Em 2017 consegue dois grandes players do mercado como sócios para, em 2018, ser completamente adquirida por um destes grandes players.

Esta empresa é europeia e cresceu visando este mercado. Como consequência, hoje ela tem três grupos de produtos: Segurança, Energia e Clima (incluindo Qualidade do Ar).

A linha de produtos em Segurança inclui câmeras internas e externas, sensores de fumaça, sensores de portas e janelas e uma sirene. Até aí nada demais. Mas ao examinarmos os produtos mais de perto vemos alguns cuidados com inovação e qualidade que merecem destaque. A câmera interna, por exemplo, tem reconhecimento facial. Com isso, ela pode reconhecer as pessoas que foram previamente cadastradas e considerar como intruso qualquer outra pessoa não reconhecida. Ela também pode ser acionada pelo som de um alarme, iniciando uma gravação e mandando um aviso ao usuário através de seu aplicativo. E pode ser diretamente comandada pelo Google Assistant, Siri ou até mesmo por mensagens do Facebook Messenger. E é uma peça com design elegante.


Se formos analisar a fundo, muito provavelmente não há nenhuma grande inovação tecnológica. Sua inovação está em juntar o que já existe, entender o que o mercado procura e dar uma “inteligência artificial” direcionada e útil.

A sirene pode ser integrada à câmera; tanto a câmera pode disparar a sirene com a detecção de intrusos quanto a sirene, disparada por outro equipamento, pode disparar a câmera. O que tem de inovação? Talvez possamos considerar o fato da sirene poder ser programada para emitir sons que simulem a presença de alguém na residência como inovação.

Esta solução de Segurança encontraria no Brasil um público interessado nestes produtos, pois atende bem aos interesses dos moradores locais.

E na Energia? O foco aqui é um termostato que controla os circuitos de aquecimento, uma solução bastante comum em países frios como na Europa. Nenhuma grande novidade: um termostato que comanda relés sem fio para ligar ou desligar os aquecedores ou as válvulas de um sistema de aquecimento central (ou mesmo um aquecedor específico em um ambiente). A novidade é oferecerem válvulas para comando de radiadores de aquecimento, permitindo que as temperaturas sejam comandadas ambiente por ambiente: um controle geral para o aquecedor principal e controles locais regulando a vazão de água quente por um determinado radiador, permitindo om controle local de temperatura. E tudo isso de forma simples, com um produto pequeno e elegante.

Esta solução, diretamente como apresentada, não tem muito futuro no Brasil, já que não somos um país de baixas temperaturas. Mas será que esta ideia poderia ser adaptada para aparelhos de ar condicionado?

No grupo de Clima temos um conjunto de produtos que ainda não vi serem oferecidos no Brasil de forma consistente. Temos uma “estação meteorológica” para uso interno, capaz de medir temperatura, umidade, qualidade do ar e nível de ruído. Podemos ter também uma estação para uso externo que mede também a pressão atmosférica. E temos dois acessórios: medidores de chuva (com informação de quantidade) e anemômetros (medidores de direção e velocidade do vento).

A estação interna avisa, ainda, quando a casa precisa ser ventilada pela detecção do alto nível de CO2.

A ideia por traz disso é que o usuário possa monitorar as variações climáticas ao longo do tempo. Não faz muito mais do que coletar e oferecer informações, mas sabemos que há povos neste planeta que adoram ter informações, mesmo sem saber o que fazer com elas.

Neste grupo não há nenhum sinal forte de inovação, mas são produtos que se integram visualmente (e só visualmente) aos demais já mencionados.

Então, temos uma empresa europeia relativamente nova, com uma linha de produtos inteligentes, um bom marketing e um bom design, com alguns pontos inovadores, focando muito no uso de tecnologias existentes. Esta empresa não precisou desenvolver tecnologias; ela soube utilizar as existentes de uma forma inovadora.

Hoje esta empresa tem aproximadamente um milhão e trezentos mil produtos vendidos em todo o mundo (principalmente Europa), faturamento anual de 45 milhões de euros e mais de duzentos empregados.

Estou falando da NETATMO, que foi recentemente comprada pela LEGRAND.

Tenho certeza que o que a LEGRAND procura não são especificamente os produtos, mas sim a inteligência humana por trás destes produtos.

Será que algo parecido poderia ocorrer com uma empresa brasileira?

Eu vislumbro um caminho de sucesso. Inicialmente precisamos esquecer a regionalidade e focar no mercado mundial. Afinal, o que impediria de termos no Brasil uma empresa como a NETATMO desenvolvendo produtos para a Casa Inteligente?

Esta empresa deve começar com um perfil internacional (para não dizer globalizado). E o que significa isso? Em termos gerais, significa que ela deve olhar para as tecnologias, os mercados e os fornecedores dentro e fora do Brasil. Ela deve acompanhar e contribuir com as tecnologias desenvolvidas em qualquer parte do planeta; ela deve considerar que seus produtos serão vendidos em todas as partes do mundo; e ela deve considerar que sua fabricação pode se dar em algum país asiático.

Este processo não é para amadores nem para pouco investimento. Deve ser bem planejado, bem fundeado e muito bem gerenciado.

Há, é verdade, dificuldades adicionais inerentes à realidade brasileira. Estamos falando de burocracias, custos indiretos e dificuldades com idiomas e processos internacionais de transações financeiras. Mas, para compensar, esta empresa contará com um mercado potencial nas quais pouquíssimas outras empresas estão apostando adequadamente. Ela terá a vantagem de já conhecer o usuário brasileiro, de falar seu idioma e de estar presente num país que não fala inglês e não gosta de importar produtos individualmente. E não podemos nos esquecer que, de uma forma ou outra, a Internet das Coisas é uma prioridade tecnológica com apoio governamental.

Assim, não vejo porque uma empresa brasileira não poderia se destacar. Os passos são “simples”:
  • Conceber uma linha de produtos que faça uso criativo e útil das tecnologias
  • Pensar no mercado local e internacional
  • Conhecer necessidades de outros mercados e dominar os principais idiomas
  • Profissionalizar o design e a fabricação
  • Desenvolver fornecedores locais e em países conhecidos pelo baixo custo
  • Desenvolver uma campanha de marketing visando o mercado mundial e a busca de investidores
  • Criar uma infraestrutura de suporte em vários idiomas
  • Criar uma estrutura de vendas online e desenvolver distribuidores
  • Criar parcerias com os gigantes do mercado

A empresa que queira focar apenas no mercado nacional terá que abrir mão de algumas coisas, como o design profissional, a fabricação a baixo custo e a busca contínua de investidores. O investimento será menor, mas a abrangência e a qualidade do produto não conseguirá competir com outras empresas que tenham esta visão mais globalizada.

Definitivamente não é um mercado para amadores ou para aqueles com poucas ambições. O sucesso depende de conseguir um nível de presença que chame a atenção dos grandes players, como a NETATMO chamou a atenção da LEGRAND.

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