30 maio 2018

Casa Inteligente no Brasil – Parte 1 - Produtos


Muito se tem falado que o mercado da Casa Inteligente e, consequentemente o uso de Internet das Coisas, fará com que muitos fornecedores tenham que mudar seu viés de vendedor de produtos para prestador de serviços.

Como a Casa Inteligente é um mercado muito calcado em produtos pontuais os quais, aos poucos, vão se integrando para dar “Inteligência” à nossa Casa, a primeira discussão é quem venderá estes produtos, pois sem sua venda não há, obviamente, espaço para a prestação de serviços em escala que mereça atenção.

Se olharmos para o mercado americano, os caminhos para a venda de produtos estão a cada dia mais claros. Temos as gigantes como Best Buy e a Amazon que vendem em lojas físicas ou online. E temos talvez milhares de fornecedores menores vendendo diretamente online. Este último grupo inclui os próprios fabricantes destes produtos “inteligentes”, que preferiram não depender apenas da venda através de terceiros.

Mas vemos que os grandes varejistas são muito importantes, tanto pela abrangência quanto pelo possibilidade de diversidade, oferecendo um leque enorme de fabricantes ao cliente. E como estes varejistas funcionam?

Começaram usando o conhecido PPP (preço, produto e prazo). O fabricante se preocupa em divulgar e cuidar das campanhas de convencimento do público, os varejistas oferecem preços adequados e conseguem entregar os produtos em prazos muito rápidos.

Se o produto não tem qualidade, ele não é vendido através dos grandes varejistas. Se os fabricantes não podem atender a uma grande demanda, também não conseguem abrir esta porta e devem se contentar com seus próprios esforços de venda. E os grandes varejistas vão praticamente impor os preços, pois são os que conhecem melhor a concorrência. E qualquer questão de garantia ou de suporte é de responsabilidade do fabricante.

Mas este caminho “tradicional”, que é muito bom para vender televisores, computadores e máquinas de lavar, não estava funcionando tão bem para os produtos mais “inteligentes”, pois esta inteligência embarcada estava exigindo dos compradores uma certa inteligência acima da do “normal’. E eles só notavam isso depois de terem comprado e recebido o produto, não tê-lo feito funcionar adequadamente e ter que acionar o suporte do fabricante.

O suporte até que conseguia resolver os problemas em muitos dos casos, mas esta necessidade quase obrigatória estava causando um certo nível de frustração nos compradores que começou a inibir novas compras e a contaminar outros potenciais compradores.

E as vendas não deslancharam como todos gostariam de ver. Afinal, o mercado americano, com um perfil muito “Do-It-Yourself” (Faça-Você-Mesmo), sempre foi ávido por novidades tecnológicas. Afinal, o que estava acontecendo?

Simples. O comprador não sabia mais o que comprar e mesmo se ainda queria comprar. Tudo começou a ficar confuso: preocupações com compatibilidades, configurações, acertos de parâmetros... Ele já tinha um assistente virtual mas descobriu que as lâmpadas inteligentes que ele comprou não eram compatíveis. A caixa de som sem fio não conseguia se conectar com seu WiFi. O termostato inteligente até que controlava bem a temperatura da sua casa, mas não conseguia saber que o morador estava chegando porque o sensor de presença da garagem ou comandava as luzes ou avisava o termostato da sua presença.

O comprador pesquisava na Internet, mas nada era muito esclarecedor: fabricantes prometendo de tudo e críticos mostrando os problemas sem dar as soluções. Ele ia até a loja, mas os vendedores somente conheciam os produtos que eles mesmos vendiam. E. no final, depois de mesmo assim comprar algo, ele iria precisar do suporte do fabricante. Este, por sua vez, só sabia detalhes do seu produto e daqueles com os quais o seu produto foi testado.

Frustrações inibindo a venda, frustrando os varejistas. E a cada dia novos produtos chegando, aumentando o caos.

Eis que uma destes grandes varejistas decide investir em resolver este problema. Ele já tinha enfrentado um problema em menor escala com a venda de notebooks e similares e havia desenvolvido uma espécie de serviço gratuito com técnicos treinados para ajudarem o comprador com a escolha e até ajudavam nos primeiros passos para começarem a usar o produto com alguma satisfação.

Ele também verificou que o comprador procurava seus técnicos mesmo algum tempo depois de ter comprado o produto, quando via que o suporte remoto oferecido pelo fabricante não era suficiente para seu nível de inteligência. E como este varejista tinha uma presença física e geograficamente bem distribuída, sempre haveria uma loja perto do comprador.

Porque não usar esta equipe de técnicos para agora também oferecer suporte aos produtos “inteligentes” chegando ao mercado? E assim lançaram o “Total Tech Support”, um contrato anual de prestação de serviços a um custo de US$200,00 (duzentos dólares americanos).

Este contrato oferece atendimento telefônico e online 24 horas por dia e atendimento nas lojas para computadores, tablets e impressoras. E a um custo de US$49,99 visitas técnicas para resolver na residência problemas com estes equipamentos e também uma série de produtos do que eles chamam de “Casa Conectada” (WiFi doméstico, câmeras WiFi, lâmpadas, campainhas, termostatos, controle de porta de garagem, fechaduras e assistentes de voz).

Na propaganda dizem ainda que o suporte é para “...TODA a tecnologia em sua casa – não  interessando onde ou quando você a comprou” (dedicated to supporting ALL the tech in your home — no matter where or when you bought it).

Não estou querendo fazer propaganda deles, mas sim tentar analisar este modelo de negócios dentro da realidade brasileira. Afinal, se queremos fazer parte dos trilhões de dispositivos e de dólares que o mercado de IoT promete, parte dele estará na Casa Inteligente e, mais importante ainda, será ela o principal canal para a disseminação ao público em geral dos desafios e benefícios do uso da Internet das Coisas para o bem-estar do ser humano.

O que podemos aprender deste modelo? O que precisamos modificar? O que precisamos criar do zero? Tentando responder a esta pergunta, precisamos analisar alguns pontos deste modelo americano, não necessariamente nesta ordem:
  • Disponibilidade de produtos inteligentes para o consumidor em geral, seja através de fabricação própria seja por importação com preços aceitáveis.
  • Interesse do possível comprador em investir em tecnologias da Casa Inteligente
  • Volume de vendas suficiente para que possam existir varejistas interessados em cobrir boa parte do território brasileiro com lojas físicas e vendas online.
  • Profissionais capacitados para fornecer o suporte necessário, tanto através do fabricante quanto através dos varejistas, tanto antes quanto após a compra.
  • Interesse do comprador em pagar por um contrato de suporte que o atenda em vários produtos inteligentes

Neste artigo vamos falar do primeiro ponto: a disponibilidade de produtos inteligentes. Os demais pontos serão tratados em artigos futuros, visando finalizar o conjunto com um modelo simplificado de comercialização a longo prazo de produtos relacionados com a Casa Inteligente.

Os produtos da Casa Inteligente podem ser divididos em dois grandes grupos: ou são equipamentos concebidos para trazer novas funções, ou são equipamentos normais que incluem novas funcionalidades não usuais à sua função básica. Uma câmera inteligente que detecta rostos e lhe avisa quem está na sua porta através do celular se enquadra na primeira categoria. Já, uma geladeira que lhe avisa que um determinado produto acabou ou passou do prazo de validade está na segunda categoria.

Comecemos pelo segundo grupo. Estamos falando de eletrodomésticos principalmente. Aqui, o mercado é dominado pelas grandes marcas, todas elas internacionais ou de alguma forma ligadas a grupos internacionais, o que significa que seus esforços de produtos inteligentes estão ligados diretamente a o que estas empresas planejam mundialmente.

Todas elas, de alguma forma, estão desenvolvendo produtos com alguma inteligência local e conectividade. Contudo, vemos que ainda estão na fase de brincar e sondar. Colocam algumas funcionalidades e componentes a mais nos eletrodomésticos e os colocam à venda por preços absurdos, mesmo para os padrões americanos.

Se quisermos comprar um destes produtos no Brasil temos que procurar muito, pagar caro, não ter suporte adequado (pelo menos para a inteligência) e muito provavelmente não contar com uma inteligência em português que conheça o Brasil.

Então, nossa Casa Inteligente não deve contar com estes tipos de produtos tão cedo, salvo algumas exceções como as TV´s, fechaduras e aparelhos de ar condicionado.

Já com o primeiro grupo, dos equipamentos desenvolvidos para a Casa Inteligente, a coisa é bem diferente.

Neste grupo encontramos produtos nacionais e importados, nos mais variados preços, disponíveis de alguma forma no mercado nacional. Vemos que a grande maioria dos produtos nacionais são na realidade focados no conceito de automação residencial, incluindo funções de controle de iluminação e vigilância, mas encontramos pouquíssimos gadgets. Este quadro é bem inverso ao padrão americano.

Quando os produtos focam na automação residencial, ou são oriundos dela, eles ainda apresentam características como não compatibilidade com produtos de terceiros, sendo, na realidade, um sistema de automação “tradicional” que foi simplificado e modularizado para diminuir o investimento inicial.

Este foco em um único fabricante para garantir a compatibilidade não é adequado para a ideia de se importar um modelo de negócios como o descrito acima. Se queremos expandir o mercado da Casa Inteligente precisamos ter produtos que atraiam os varejistas e seus clientes.

Sob esta perspectiva, o que se recomenda é que os fabricantes nacionais se especializem em um determinado segmento e que sempre busquem utilizar os padrões do mercado. Isto significa que teríamos que começar a ver fabricantes especializados em comandos de iluminação (relés e dimmers), em sensores, em gateways, em câmeras, em fechaduras, etc., todos garantindo um mínimo de possibilidade de comunicação ente si. Cada um teria que desenvolver sua infraestrutura na Nuvem e um aplicativo para possibilitar o uso individual de seus produtos. Mas também teria que ter consciência de que deveria ser possível que gateways (ou pequenas centrais) de terceiros pudessem se comunicar com seus produtos e prover o nível mínimo de comunicabilidade e de centralização de comandos e operação em um único aplicativo.

Pode até não parecer uma forma muito adequada de um fabricante entrar no mercado de Casa Inteligente: um produto muito específico, que limita sua abrangência na oportunidade. Mas é desta forma que ele poderá ter um produto produzido em larga escala, reduzindo o custo, para ser vendido através de redes de varejistas ou mesmo lojas online, e cujo sucesso dependerá de sua qualidade e preço.

E com um pouco mais de investimento, o fabricante poderá desenvolver variantes de seus produtos que atendam a mercados de outros países e com isso expandir seu universo de vendas utilizando os varejistas internacionais e a própria venda online.

Já, pensando nos fabricantes internacionais que ainda não entraram no país de forma oficial, eles precisam entender que se quiserem fazer parte deste mercado precisam entender e atender às normas e legislações do país, precisam ter presença local e precisam buscar formas de compatibilizar seus preços internados ao poder de consumo dos brasileiros.


Assim, tendo fabricantes nacionais focados em qualidade e preço de produtos específicos e tendo os fabricantes internacionais trazendo seus produtos ao país com preço e suporte adequados, teremos uma massa crítica de produtos para que os varejistas se interessem em entrar neste mercado de forma consistente e lucrativa.

No próximo capítulo deste conjunto de artigos abordaremos como atrair grandes varejistas a um mercado ainda não massificado no Brasil. Clique aqui para continuar a leitura.

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