A Internet das Coisas continua abrindo o caminho para
inovações, mas também obrigando a todos a reverem seus conceitos em relacionamentos
comerciais.
Recentemente a Tesla informou a alguns proprietários dos
seus carros elétricos mais simples, e que estivessem no caminho do furacão Dorian,
que seus veículos teriam sua autonomia aumentada, para ajudá-los a se afastar
do perigo. Mas como assim? Autonomia aumentada por decreto do fabricante?
É que os modelos mais baratos têm sua autonomia limitada por
software e isso permitiu à fábrica retirar essa limitação momentaneamente via Internet
das Coisas, com o envio de um comando remoto.
Mas, espera um pouco... Então o automóvel tem baterias para
uma autonomia maior, mas essa autonomia não é liberada porque ele foi
comercializado com preço menor? Então, o que foi vendido aqui? Um automóvel ou
um direito de uso? É possível fazer um upgrade? Ou pagar por mês? Neste mês eu
quero uma autonomia maior porque vou sair de férias, mas nos meses seguintes não
precisarei.
Esse conceito de direito de uso se aplica bem ao mundo do
software, onde o cliente compra uma licença que lhe dá o direito de uso sobre o
software. Há alguns anos você comprava uma licença e tinha direito vitalício
sobre o uso daquele software, naquela versão específica que você comprou. Se quisesse
atualizar o software para uma versão mais nova, teria que pagar de novo, se bem
que as empresas até ofereciam descontos para um upgrade.
Mas até isso foi mudando, e hoje a maioria dos softwares são
adquiridos em licenças periódicas (mensais ou anuais), sendo que ao fim do
período de validade a licença precisa ser renovada. Se não for, o software
deixará de funcionar!
A Microsoft faz isso hoje com seu pacote do Office, onde todo
mês eu pago um valor relativo às opções e quantidades que decidi “assinar”; mas
ela não fez isso com o sistema operacional Windows. Aqui, por enquanto, a
licença é vitalícia (sem garantia de novas versões gratuitas).
É difícil dizer o que a maioria dos clientes acha dessa
postura da Microsoft, posto que, na verdade, eles não têm opção. Eu,
particularmente, até gosto, pois estou sempre atualizado. Antes, eu tinha que
desembolsar valores maiores pontualmente para ter meus softwares atualizados
(provavelmente a cada dois ou três anos) e ainda tinha as questões de
compatibilidade com outros usuários que não haviam atualizado suas versões.
Então, quando falamos de software, até faz sentido pensarmos
em licenças de uso, quer sejam vitalícias ou de duração determinada.
Mas quando falamos de objetos mais “físicos”, que agora se
tornam inteligentes, como automóveis, geladeiras, TV´s... o que estou
comprando?
E se o fabricante decidir retirar do ar sua plataforma na
nuvem e tornar o aplicativo inútil? Logicamente, que ele vai perder muitos
clientes, mas teria eu direito a algum ressarcimento?
E se o fabricante desenvolver uma forma mais eficiente de
lavar roupa, usando a mesma mecânica e eletrônica que eu já tenho? Bastaria uma
atualização do firmware/software da minha máquina para ela estar atualizada,
mas teria eu direito a essa atualização? Quanto custaria? Quais meus benefícios
e garantias de resultado?
Será que chegaremos ao ponto deste fabricante oferecer dois
produtos separados, a máquina por um lado e a inteligência por outro? A primeira
em uma relação comercial de compra de mercadoria e a segunda de prestação de
serviço?
E eu posso comprar uma máquina “genérica”, como hoje compramos
um notebook, e decidir quais os softwares ou serviços que vão rodar nela?
Se pensarmos bem, as TV´s smart já são quase isso. Antes eu
pagava por serviços via cabo, hoje pago por serviços como o Netflix que vão
rodar diretamente na minha TV.
E quais são os facilitadores dessa mudança de relacionamento
comercial? Com certeza é a conectividade que estes produtos hoje oferecem,
conectividade essa muito diretamente relacionada com os conceitos de Internet
das Coisas. É a Internet das Coisas que permitiu o barateamento e
universalização (mesmo que ainda sem padronização) da conectividade e das
ferramentas que facilitam a vida dos que se interessam em oferecer esses
recursos adicionais.
A Internet das Coisas induziu à criação de um meio
ambiente propício para que seus benefícios se tornassem disponíveis. Ela precisou
de hardware de comunicação e sensores baratos e confiáveis. Ela precisou de
estruturas na nuvem que facilitassem a coleta, tratamento e análise de dados. E
assim nasceram os esforços em melhorar as redes WiFi e Bluetooth, e em criar
alternativas como LORA e outras. O mercado de smartphones deu sua colaboração também,
ao criar um mercado de milhões de unidades por ano, para o qual fabricantes desenvolveram
centenas de produtos de microeletrônica, como GPS, sensores e câmeras, que hoje
estão disponíveis a qualquer um por preços irrisórios. A Internet das Coisas
também propiciou o aparecimento de plataformas na nuvem que pudessem ser
utilizadas por qualquer empresa interessada, sem precisarem desenvolver suas próprias
infraestruturas.
E as empresas viram na Internet das Coisas um caminho
para inovar seus produtos e com isso renovar seu mercado, com seus produtos
inteligentes. E agora, buscam aprender como inovar e renovar seus
relacionamentos comerciais, sempre procurando aumentar a lucratividade e a base
de clientes.
Resta ver como o público consumidor vai reagir a isso.
Passivamente, aceitando os novos termos, ou de forma mais participativa,
entendendo melhor o que está acontecendo e querendo obter mais benefícios pelo dinheiro
pago ao fabricante?
E, para tornar o relacionamento fabricante-cliente ainda mais
interessante, não podemos nos esquecer que um grande motivador para as
iniciativas por parte dos fabricantes é obter informações de uso e de hábitos
do seu consumidor. Ou seja, além do valor monetário pelo produto entregue eles
querem o valor “cibernético” que os seus clientes podem lhe proporcionar. É por
isso que os aplicativos são oferecidos gratuitamente: quanto mais usuários,
mais informações!
Portanto, neste mundo de produtos inteligentes e Internet
das Coisas o cliente passa também a ser fornecedor e, seguramente, vai
querer ser remunerado por isso!
Para que este novo relacionamento se torne duradouro
precisamos que todos os envolvidos sejam mais transparentes em suas intenções e
que o novo fornecedor (o cliente) seja mais interessado e participativo nessa
troca de valores.
Será que veremos isso acontecer de forma consistente nos próximos
anos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário